8 de abril de 2023

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO É UM DIREITO ABSOLUTO (Postagem antecipada)


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

A liberdade de expressão é um dos pilares de qualquer democracia, tanto que na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948, estabelece em seu artigo 19 que “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras[1]. Sem tal liberdade não há democracia. 

A partir disso, quando da elaboração da Constituição Federal de 1988 foram estabelecidos vários dispositivos para garantir tal princípio democrático, conforme vê-se abaixo: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(...)

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. 

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 

§ 3º Compete à lei federal: 

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; 

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

(...)

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

 

Ocorre que tal liberdade não pode ser vista como algo isolado de todo um contexto social e tampouco como um direito absoluto, mas sim dentro de um conjunto de direitos, também, juridicamente protegidos, como a honra dos cidadãos, a imagem das empresas, associações, fundações e das instituições de Estado, bem como a própria ordem social. Sobre tal tema, vale citar o posicionamento irretocável do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal CELSO DE MELLO, em julgamento do Habeas Corpus nº 82.424-2/RS[2]:


O direito à livre expressão do pensamento, contudo, não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações de natureza ética e de caráter jurídico. Os abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, quando praticados, legitimarão, sempre "a posteriori", a reação estatal, expondo aqueles que os praticarem a sanções jurídicas, de índole penal ou de caráter civil.

Se assim não fosse, os atos de caluniar, de difamar, de injuriar e de fazer apologia de fatos criminosos, por exemplo, não seriam suscetíveis de qualquer reação ou punição, porque supostamente protegidos pela cláusula da liberdade de expressão.

Daí a advertência do Juiz Oliver Wendell Holmes Jr., proferida em voto memorável, em 1919, no julgamento do caso Schenck v. United States (249 U.S. 47, 52), quando, ao pronunciar-se sobre o caráter relativo da liberdade de expressão, tal como protegida pela Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, acentuou que ‘A mais rígida proteção da liberdade de palavra não protegeria um homem que falsamente gritasse fogo num teatro e, assim, causasse pânico’, concluindo, com absoluta exatidão, em lição inteiramente aplicável ao caso, que ‘a questão em cada caso é saber se as palavras foram usadas em tais circunstâncias e são de tal natureza que envolvem perigo evidente e atual ('clear and present danger') de se produzirem os males gravíssimos que o Congresso tem o direito de prevenir. É uma questão de proximidade e grau’

O fato irrecusável, neste tema, Senhor Presidente, é um só: abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado. Ao contrário, deve ser reprimido e neutralizado.” (Grifado)

 

Assim, atividades como, por exemplo, de jornalista, político, artista, advogado, magistrado, promotor, professor, “influenciador digital”, escritor, dentre outras, que tenham a exteriorização do pensamento como característica essencial de suas atuações são obrigatoriamente limitadas pelas leis civis e penais gerais e pelas normas específicas de suas respectivas atividades, no sentido de garantir a cada indivíduo e à sociedade que não ocorram desrespeito aos direitos protegidos sob o pretexto de estar exercendo a liberdade de expressão. 

Para exemplificar, a liberdade de expressão esbarra, nos seguintes crimes:

 

a)   Calúnia (Código Penal, artigo 138): imputar à alguém falsamente fato definido como crime; 

b)  Difamação (Código Penal, artigo 139): imputar fato ofensivo à sua reputação; 

c)   Injúria (Código Penal, artigo 140): ofender a dignidade ou decoro de alguém; 

d)  Ameaça (Código Penal, artigo 147):Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”; 

e)  Dano ao patrimônio (Código Penal, artigo 163): Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”; 

f)   Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico (Código Penal, artigo 165): Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico”; 

g)   Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo (Código Penal, artigo 208): Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”; 

h)  Incitação ao crime (Código Penal, artigo 286):Incitar, publicamente, a prática de crime”; 

i)    Apologia de crime ou criminoso (Código Penal, artigo 287):Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”; 

j)    Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Código Penal, artigo 359-L): “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”; 

k)   Crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Lei nº 7.716/1989); aqui inclui, além do racismo, o preconceito religioso e a grupos minoritários (homofobia, por exemplo), comercialização e divulgação de símbolos e de propagandas nazistas.

 

Ou seja, quem caluniar, difamar, incitar ao crime, ameaçar, etc. não estará usufruindo de sua liberdade de expressão, mas cometendo crimes claramente previstos em leis e, portanto, passíveis de sanções penais e civis. 

Além dos crimes acima exemplificados (e de outros que não foram elencados), a liberdade de expressão tem limite na legislação civil. Aliás, a própria Constituição Federal dispõe que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (artigo 5º, inciso V), o que já demonstra que a liberdade de expressão acaba quando há o cometimento de ilícito, o que nos remete ao que estabelece o Código Civil:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 

 

Com isso, para resumir, podemos ver que os limites à liberdade de expressão estão alicerçados na proteção aos direitos juridicamente estabelecidos e, por isso se faz necessária a existência desses “freios” – dispostos em leis e aplicados pelo Poder Judiciário – para que a sociedade usufrua da democracia em sua plenitude, mas sem ferir direitos individuais, coletivos, bem como para que a ordem social e o próprio Estado democrático de direito sejam mantidos. 

Vale destacar, por fim, que numa sociedade em que as redes sociais cada vez mais propiciam que as pessoas manifestem suas opiniões sobre uma infinidade de assuntos – muitos sem o devido conhecimento –, é fundamental ter a ciência de que mais importante do que os likes e os engajamentos obtidos, é cada um saber até onde pode ir e como pode expressar as suas opiniões, principalmente porque tudo tem consequências jurídicas e muitas vezes severas consequências judiciais; lembrando que juntamente à liberdade de expressão, o respeito às leis é outro pilar da democracia. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos

[2] STF, Habeas Corpus 82.424-2/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 17.09.2003


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