6 de dezembro de 2020

AS POSTAGENS EM REDES SOCIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Quase todos, hoje em dia, utilizam-se de redes sociais para manifestar-se sobre os mais variados assuntos (vida pessoal, profissional, esportes, política, religião, problemas sociais, etc.), bem como comunicar-se individualmente e em grupos (profissionais, familiares, associativos, condominiais, dentre outros).

Ocorre que, como com qualquer meio de comunicação, são necessários cuidados no que se posta nas redes sociais, quanto à forma e, principalmente, quanto ao conteúdo, pois, contrariamente ao que muitas pessoas pensam, a internet não é uma espécie de “terra de ninguém” e, portanto, livre de penalidade em casos de postagens ofensivas a pessoas, coletividades, instituições, crenças religiosas, gêneros, preferências políticas, esportivas, etc., conforme abordado abaixo, de modo bastante resumido.

 

II – REPERCUSSÕES PENAIS

 

Em muitas ocasiões, vê-se em postagens – principalmente em tempos de polarização em diversos aspectos da vida social –, a falta de discernimento quanto à sua forma e ao seu conteúdo, o que muitas vezes extrapola ao direito constitucional de liberdade de expressão (Constituição Federal, artigo 5º, incisos IV e IX[1]) e adentra em vários ilícitos penais, como, por exemplo:

a)  Calúnia: imputação falsa de fato definido como crime, cometendo calúnia, também, quem propala ou divulga. (Código Penal, artigo 138[2]); 

b)  Difamação: imputação de fato ofensivo à reputação de alguém. (Código Penal, artigo 139[3]); 

c)   Injúria: ofensa à dignidade e ao decoro (Código Penal, artigo 140[4]); 

d) Injúria Racial: ofensa à dignidade e ao decoro com a “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Nesses casos há o aumento de pena (Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º[5]); 

e)   Ameaça: tal crime pode ser por meio de gestos, palavras ou outros meios (Código Penal, artigo 147[6]) e é muito comum a sua incidência, principalmente por meio de perfis falsos; 

f)   Racismo: prática e incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. É diferente da injúria racial (Lei nº 7.716/1989, artigo 20[7]); 

g)   Homofobia e Transfobia: o mesmo crime previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 (racismo) foi aplicado para a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26[8]; 

h)  Estelionato: é manter alguém em erro para obter para si ou para terceiro vantagem por meio fraudulento (Código Penal, artigo 171[9]); 

i)  Charlatanismo: informar e/ou anunciar cura por meio secreto ou infalível (Código Penal, artigo 283[10]); 

j)    Incitação ao Crime: “incitar publicamente a prática de crime” (Código Penal, artigo 286[11]). Tal crime, frise-se, pode ser cometido contra pessoas, autoridades, entes estatais, Poderes do Estado, empresas e instituições (públicas e privadas), etc.; 

k) Apologia de Crime ou Criminoso: fazer publicamente apologia (defesa) de fato criminoso ou de autor de crime (Código Penal, artigo 287[12]). É diferente da incitação ao crime, pois naquele, o crime diz respeito a um tipo penal e nesse, diz respeito a um fato criminoso que já ocorreu e/ou ao seu autor; 

l)  Instigar (“Apologia”) o Uso de Drogas: no texto legal (Lei nº 11.343/2006, artigo 33, parágrafo 2º[13]) a expressão utilizada foi instigar, mas “apologia” ficou mais popular. Saliente-se que essa instigação (ou apologia) não necessita, para configurar o ilícito, ter a finalidade lucrativa de quem o comete; 

m) Exercício Ilegal da Profissão: tal ilícito, previsto no artigo 47 do Decreto-Lei nº 3.688/1941[14] (Lei das Contravenções Penais) é visto, por vezes, quando alguém passa a atuar utilizando as redes sociais em atividade profissional para a qual não está habilitado.

 

II – REPERCUSSÕES CIVIS

 

II.1. Nas Relações Civis

 

Geralmente, para não dizer sempre, as consequências penais de uma postagem feita de maneira insensata trazem consigo repercussões civis, como estabelece o artigo 186 do Código Civil, que assim dispõe:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Frise-se: o dano a que se refere o artigo 186, acima transcrito, pode ter natureza material e/ou moral, o que acarreta o dever de quem violou tal direito de terceiro a indenizá-lo, conforme estabelece o artigo 927 do mesmo Código Civil:

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

  

Importante destacar, conforme bem abordado pelo Desembargador , do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que (sic) “(...) a liberdade de expressão deve ser garantida a qualquer cidadão. Contudo, tal princípio não é absoluto, de modo que deve ser permeado por outros também previstos no texto constitucional[15]”. Assim, uma reclamação, manifestação ou debate sobre um assunto que passe do limite da saudável troca de ideias e adentre na ofensa pessoal ou tentativa de abalar a imagem de seu interlocutor ou de terceiros, é passível de condenação judicial, conforme verifica-se pelo entendimento jurisprudencial:

 

"RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. OFENSAS PESSOAIS. MANIFESTAÇÃO EM REDE SOCIAL. FACEBOOK. Descontentamento com serviço prestado. Manifestação que excedeu a mera expressão de descontentamento, ingressando na seara da ofensa à honra e à imagem. Recurso exclusivo da parte autora, visando à majoração da indenização. Permanência da postagem no ambiente virtual por cerca de uma hora. Quantum indenizatório mantido, por estar adequado ao caso concreto. Critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Sentença mantida. Recurso improvido." (TJRS, Recurso Cível, Nº 71009672163, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: José Ricardo de Bem Sanhudo, Julgado em: 27-10-2020). (Grifado).

  

"RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. COMENTÁRIOS OFENSIVOS EM REDE DE COMUNICAÇÃO (APLICATIVO WHATSAPP). ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE DA OFENSORA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A responsabilidade por danos morais decorre da proteção a direito da personalidade, inerente a toda pessoa humana. Trata-se de aspecto de ordem interna cuja violação é capaz de afetar seu estado psicológico, seja pelo sentimento de humilhação ou qualquer outro constrangimento capaz de repercutir na esfera da sua honra subjetiva ou objetiva. Os comentários realizados pela Reclamada, em um grupo de whatsapp, que denotam ofensas a honra, intimidade e imagem da Autora gera direito à indenização por dano moral." (TJMT, Recurso Inominado nº 80102417720168110025, Turma Recursal Única, Rel. Valmir Alaércio dos Santos, julgado em 16.11.2017). (Grifado).

  

II.2. Nas Relações de Consumo

 

No que diz respeito às relações de consumo, em razão do uso das redes sociais para práticas comerciais (anúncios, negociação, concretização do negócio e pós-venda) terem crescido muito, ainda mais em tempos de pandemia, e cuja tendência é um crescimento ainda maior, o primeiro aspecto a ser observado é o da publicidade, em relação ao qual destaco o disposto nos artigos 30, 31, 35, incisos I, II e III, 36, 37 e 38 do Código de Defesa do Consumidor:

 

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

 

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

 

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

 I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; 

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; 

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

 

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. 

Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

 

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

 § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. 

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

 

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

  

Portanto, a partir do momento em que um fornecedor de produtos ou serviços realiza a publicidade por meio das redes sociais, ele fica obrigado a observar todos os demais princípios e obrigações decorrentes da relação de consumo.

  

III – REPERCUSSÕES TRABALHISTAS

  

Já em relação às repercussões trabalhistas, há algum tempo, as comunicações corporativas ocorrem também por grupos de Whatsapp e aplicativos semelhantes – prática que foi potencializado pela pandemia de Covid-19 que obrigou o trabalho em home office –, o que, embora, por um lado, tenha trazido agilidade e economia nas comunicações; por outro, passou a exigir mais atenção atenção por parte dos empregadores e dos empregados. Vejamos algumas delas:

 

a)   pelos EMPREGADORES: se não houver uma contundente e clara orientação de sua equipe:

 a.1. a incidência de comportamento de prepostos seus, principalmente os de cargo de chefia, que podem ensejar uma acusação de assédio moral, acarretando um sério prejuízo; 

a.2. ordens que podem acarretar o pleito de horas extras, bem como acúmulo ou desvio de função, com todas as suas repercussões;

 

b)  pelos EMPREGADOS: para evitarem advertências ou quaisquer outras penalidades, devem ser treinados para utilizarem os aplicativos: 

b.1. somente com a finalidade profissional e durante o horário determinado para a empresa; 

b.2. apresentarem uma postura adequada quanto a forma de comunicação.

 

Assim, ao se adotarem esses cuidados e outras práticas preventivas que dependerão da característica de como as atividades são desempenhadas (atividade externa, home office, presencial, mista, etc.), os aplicativos de comunicação só acrescentarão nas rotinas das empresas e tomadores de serviços.

 

IV – CONCLUSÃO

 

Para finalizar, destaque-se um aspecto extremamente importante, óbvio até, mas sobre o qual muitas pessoas parecem não ter o discernimento necessário nessa época em que os dedos são mais rápidos que o cérebro: um comentário ou manifestação pública em rede social há de começar por uma primeira análise: o que se vai postar é crime, é ilícito civil, é descumprimento de norma trabalhista? Na dúvida, não vá adiante, pois as repercussões jurídicas podem ser graves e os custos disso não serão baixos.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

Fonte da imagem



[1] Constituição Federal de 1988, artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

[2] Código Penal, Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. (...) Parágrafo 1º Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. 

[3] Código Penal. Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. 

[4] Código Penal. Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. 

[5] Código Penal. Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. (...) § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: 

[6] Código Penal. Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: 

[7] Lei nº 7.716/1989. Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. 

[8] STF, ADO nº 26, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, julgado em 13.06.2019. 

[9] Código Penal. Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: 

[10] Código Penal. Art. 283. Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível. 

[11] Código Penal. Art. 286.  Incitar, publicamente, a prática de crime: 

[12] Código Penal. Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: 

[13] Lei nº 11.343/2006. Artigo 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (...) §Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: 

[14] Decreto-Lei nº 3.688/1941. Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:

[15]

6 comentários:

  1. Muito bom! Confesso que não li tudo, mas vou deixar salvo, nunca se sabe quando podemos precisar dessas informações.

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  2. Bom dia, Dalva.

    Que bom que gostaste! Vai lendo na medida da necessidade e do teu tempo. O importante é sempre estarmos cientes de direitos e deveres.

    Obrigado pelo feedback.

    Abraço!

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  3. Alexandre, você foi brilhante. Uma abordagem completa, objetiva, abrangente. E concluiu com sábia recomendação. Todos deveriam se inteirar das consequências, nesse tempo em que se tornou rotina a utilização de redes sociais. E muitos aspectos são novos atualmente, como relações de trabalho em home office. Gostei demais! Abraço.

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  4. Bom dia, Marilene! Como estás?

    Muito obrigado pelo elogio! Pois é, muitas pessoas não se dão conta que praticamente todos os nossos atos podem trazer repercussões jurídicas/judiciais. E é aí que situação complica e depois muitas pessoas caem naquela corriqueira indagação a si mesmas: "Por que eu fui dizer isso?

    Que bom que gostaste do artigo!!

    Grande abraço!

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  5. Oi, Alexandre, excelente artigo!!
    Pois é, um assunto muito falado e, por vezes muito criticado, mas tenho esperança do dia em que as redes sociais terão uma participação na sociedade mais responsável, pois são elas de extrema utilidade para o bem, para divulgação tanto literária, política ou apenas para levezas. Porém, tem o outro lado que não preenche em nada as boas relações, a boa convivência e os afetos com os amigos, é o lado que destrói, que agride e não acrescenta em nada. Parece mais um castelo de areia... ao primeiro vento acaba com boa parte dos relacionamentos. O que se ganha com isso?
    Um tema muito bem abordado e ótimo assunto para se discutir. Nós somos responsáveis pelo que postamos, pelo que dizemos.
    Beijo!

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  6. Oi mãe, boa noite!

    Que bom que gostaste do artigo. Realmente, as redes sociais, hoje em dia, são mais usadas de modo maléfico, suplantando seu potencial para o bem. Mas, como eu disse, "os dedos são mais rápidos que o cérebro" e é a sociedade que tem a perder. Falta o pessoal raciocinar um pouco.

    Beijo.

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